Zaqueu, junto da manjedoura

(O autor, sabendo que um homem coloca todos os anos uma nova figura no presépio da paróquia, sugere a figura de Zaqueu. Depois de apresentar o relato de Zaqueu – Lc 19, 1-10 – faz comentário que se segue)

Agora vi, com os olhos do espírito, este Zaqueu no caminho que leva à ampla paisagem de um presépio, por onde devem passar todos, antes de chegar ao lugar do acontecimento, os que vão contemplar a manjedoura. E ali, Zaqueu contou-me algo de si:
«Quando, naquele tempo, Jesus se encontrava em Jericó, fui, de certo modo, atraído. Por um lado, em cima daquele sicómoro - onde tinha trepado, por causa da minha baixa estatura - sentia-me a salvo d'Ele. Estava convencido de que passaria diante de mim e que seguiria em frente. E isto não me desagradava. Porque, sim, queria vê-Lo. Mas cruzar-me tão diretamente com Ele - e, depois, com todos os precedentes da minha vida e os meus problemas -, não. Não estava preparado para isso. Era um espectador, alguém que observava. Queria estar ali, assistir, mas ter o meu coração, a minha vida, longe dali. Mas este Jesus parou, levantou o olhar para mim e disse: “Desce. Tenho de ficar em tua casa”. E, de repente, esse pedido deixou logo de ser desagradável. O que senti foi, simplesmente: que pedido enorme! Mais ainda: que amor enorme! Aqui está alguém que me estima, que me estima, a mim, pessoalmente. Eis alguém que está aqui por mim, pessoal e exclusivamente. E assim, naquele encontro, a minha vida mudou.
Agora, sei que são muitos os que, no Natal, param, por gosto, a olhar para o presépio. Pode tornar-se um passatempo e, a maior parte das vezes, é também acompanhado por pensamentos piedosos. Mas o que não compreendo é porque é que as pessoas não escutam o que o Menino lhes diz de um modo totalmente pessoal. Foi exatamente o que me disse daquela vez: “Desce do teu observatório seguro, porque hoje tenho de ficar em tua casa”. Na verdade, em cada presépio, Jesus dirige-se a quem está diante da manjedoura e observa, dizendo-lhe: “Hoje quero; hoje tenho de ficar em tua casa”. Penso que, tendo-me feito, então, tanto bem o pedido de Jesus, eu deva algo aos muitos que vêm à manjedoura, devo abrir-lhes os ouvidos para que escutem a voz do Menino: “Hoje tenho de ficar em tua casa!”».
Refletindo nisto, compreendi que Zaqueu, junto da manjedoura, somos nós. Cada uma, cada um de nós pode identificar-se com ele. Partilhamos com ele quatro experiências:
- A primeira e fundamental: Zaqueu, no encontro com Jesus, experimentou: «Deus ama-me imensamente e de um modo totalmente pessoal. Deus dirige-se a mim, dedica-se a mim».
E esta é também a mensagem do Natal para nós; vale pessoalmente para cada um de nós. Foi para mim que Jesus veio, é em mim que Ele pensa, é comigo que Ele quer ficar. «A tua casa, o teu coração, a tua vida serão o meu lugar», diz-nos Ele.
- Mas a este aspeto junta-se um segundo: Jesus aceita uma oferta de Zaqueu, Jesus aceita a sua hospitalidade. Zaqueu tem algo a oferecer ao Senhor, algo com que pode ajudar o Senhor. Eis a grandeza do dom do Natal: Deus, na encarnação do seu Filho, faz-Se dependente de nós, torna-Se aquele que recebe, aquele que aceita uma prenda. Nada nos dá maior dignidade do que isto: termos algo que podemos dar a Deus. Cada um de nós tem algo para oferecer a Deus. Ninguém é inferior, ninguém é sem valor, ninguém está privado de significado. Podemos acreditar no dom de Deus, que Ele nos confiou e, pela nossa parte, transmiti-lo.
- Isto leva a um terceiro aspeto: Jesus oferece a Zaqueu um novo início. Ele é arrancado do círculo vicioso da tentação, existente na sua profissão, de burlar os outros, de ser desonesto e avarento. Aceitemos Jesus na casa da nossa vida e, então, Ele terá a possibilidade de mudar, realmente, qualquer coisa em nós. Não estou condenado a ser eu próprio. Sou chamado por Ele, e Ele torna-me novo.
- Finalmente, um quarto aspeto: em que consiste o novo início? Resposta: em novos relacionamentos com o próximo. Zaqueu relaciona-se de modo diferente com quem contacta, no seu trabalho. Começa a partilhar a solicitude de Jesus em relação aos mais pobres e aos mais pequenos. E tudo o que Jesus lhe pede, oferece precisamente como um presente: já não isolado, já não temido, mas aceite, bem recebido, parceiro dos outros. Quem vai até ao Menino na manjedoura, volta livre para novos relacionamentos. Começa a fazer parte da nova família de Deus. Não pode fazer outra coisa senão ouvir a Palavra de Jesus: «Hoje tenho de ficar em tua casa!». E a provocação de incluir o próximo, tão estranho, tão pouco agradável, na nossa vida e no nosso ambiente relacional transforma-se num presente de Natal para nós.
Esta é a mensagem de Zaqueu junto da manjedoura: ajuda-nos a prestar atenção à voz de Jesus, que nos diz as mesmas coisas que já disse a ele: «Hoje tenho de ficar em tua casa». Sim. Jesus ama-nos pessoalmente, deixa-se hospedar connosco e permite que Lhe demos presentes, torna-Se Dom de um novo início, renova os nossos relacionamentos.
(Klaus Hemmerle, Deus fez-se Menino, meditações sobre o Natal, Cidade Nova, Abrigada 2002, pp. 65-68)

Texto traduzido e enviado pelo lasista Pe. António Soares Antão