Lavar roupa.

Acto mecanizado, relegado a “frete”, actividade individualista que se limita em pôr na máquina, tirar da máquina de lavar para a máquina de secar num resmungar de mau grado e …

… e…

…quem se lembra ainda…

Invernos e águas gélidas que gretavam as mãos, roupa carregada sobre a cabeça do lavadouro até casa… vida de mulheres que parece, aos olhos da dona de casa moderna, aberração medieval…de há quarenta anos apenas…

No entanto dá para ter saudades, pois nem tudo era assim tão negro.

A menina do mar que ia de férias trabalhar com os tios do campo, oitenta quilómetros e duas mudanças de carreira, o saco cheio de peixe e ninguém a torcer o nariz por causa do cheiro, lembra se dos risos, das conversas, da alegria do convívio na camionete, mas também e mais ainda no lavadouro com as mulheres do monte.

Em dias de verão e para matar saudades desses tempos, lá vamos nós carregadas de roupa monte abaixo até á ribeira e ao lavadouro, a pé pelos caminhos e ao romper do dia por causa do calor.

Saca se do alpendre o enferrujado caldeirão da barrela e do bolso a navalha, toca a acender fogo de esteva para aquecer a água, fazer em lascas a barra de sabão azul e branco e mexer com um colherão de pau até ficar tudo bem derretidinho…

Depois esfrega se, enxagua se, bate se, volta se a ensaboar, ai filha duma cabra que me molhastes, ó sua pintelha, se berras levas mais, e… roupa e mulheres acabam dentro do tanque numa batalha de risos, palavrões brotando como desabafos e roupa encharcada, sai se de lá com a barrela torcida e os corpos, retorcidos pela idade, a pingar, a barriga a doer de tanta galhofa.

Estende se a roupa no campo a corar, abrem se as cestas da merenda, pão, azeitonas, queijo, chouriço e o nosso bem alentejano garrafão de tinto.

Risos que o vinho torna mais leves, dar à (má) língua, contar anedotas vividas, lembranças de traquinices da juventude em que tudo se devia inventar pois nada havia de “pronto a consumir”.

Lembrança da fome, dos patrões que eram piores que cães e do que se tentava roubar lhes para comer…do chicote do encarregado…dos sonhos que sempre eram histórias de comida impossível e fome por matar…

Porque aqui, tudo, até as pedras do caminho, tinha dono.

Dos namoricos passados, olha práquele magana, de jeitoso que era o moço e o trambolho bêbado que aqui vai, cruzes, ao que escapaste mulher!

Roupa a corar ao sol, velhas à sombra das azinheiras a roncar e arrotar o vinho que fez pesar as pálpebras… sol a descer, apanhar e dobrar a roupa num silêncio de fim de festa, regresso a passo lento encosta acima, com o peso da roupa, da juventude que lá se foi e da saudade…

Promessas de noites em lençóis com cheiro a campo, a campo mesmo, e não a fragrância floral sintética…


Como sempre o autor inventou tudo, sobretudo quando como eu vem de outro planeta… por isso fique aqui dito que qualquer semelhança com gentes ou lugares desta terra é mera coincidência e não implica qualquer responsabilidade por parte do autor.