Tou me a finar minha menina, este corpo já não arca… vais ter pena eu sei, fui o que mais perto dum pai te foi dado.

Minha menina, eras magra e feia, chamavam te de arreigota, e de ver te tão franzina e dura no trabalho fez me perder de amores por ti, amores de pai, não digas aos meus filhos para não os enxovalhar, mas eras a minha preferida.

Tio, ensina-me, dizias, um pedaço de madeira, uma navalha quase a partir de tanto amolada e eu mostrava te como esculpir as figurinhas do presépio… e o teu corpinho moído pela faina amolecia, a faquinha deslizava te das mãos e devagarinho para que não acordasses eu deitava te na enxerga com as minhas filhas.

Este ronco no peito não me deixa, estou escalfado, estas pernas que correram montes por cerros e barrancos com as ovelhas já mal me sustentam a mijar, desgraça, raça maldita… os meus olhos já mal te enxergam, nunca foste bonita mas tens o sorriso dos anjos e uma voz que nem eles, fala comigo minha menina, fala com o teu tio velhote, não me deixes, não deixes que me levem para o hospital…

Quero morrer na cerca à sombra dos caliptros, a ceifeira que de lá me tome mas tenho que até lá caminhar, leva me daqui minha menina, leva me ao teu braço, já não peso que até a banha a idade madrasta me tirou…

Não fui bom marido nem bom pai, a bebida sumia me a jorna toda e a velha tinha que trabalhar a dobrar para matar a fome aos moços, deus que me vê sabe que nunca lhe levantei a mão, o cabrão não me vê que isso são tretas, maneiras de falar, né… a pinga dava me pra cantar o fado, bem te lembras, e para dizer asneiras ,o raio das coisas que eu inventava para vos ouvir a rir, mas nunca com maldade.

Acabar assim, sem as ovelhas nem as estevas não quero, sem as estrelas a despedirem se deste velho que tanto lhes falou não posso, leva me prá eira minha menina, não chores, já é tempo de despedir me desta vida de besta, diz à velha que a pinga era pra poder suportar tanta ruindade, tanta pouca vergonha, tanta injustiça…e que eu sempre vos amei, à minha maneira.